Colapso nos estoques não é opção para a indústria farmacêutica brasileira

POR EGLE LEONARDI E JÚLIO MATOS
A crise que atingiu o mundo por conta da pandemia do novo coronavírus afetou em cheio praticamente todos os setores econômicos. A indústria farmacêutica é uma das exceções, lucrando com produção intensa contra o inimigo invisível. Mesmo diante desse cenário, essa indústria corre atrás de novos produtos, como por exemplo, a vacina. É um negócio que está a todo vapor, em uma disputa acirrada por quem patenteia primeiro a salvação.
 
No entanto, se, por um lado, a crise é favorável, por outro ela também trás suas dificuldades, como a falta de insumos para produzir medicamentos. Recentemente, a Índia travou a remessa para o Brasil de 31 toneladas de 23 tipos diferentes de insumos necessários para a produção de medicamentos nacionais, e a China reduziu drasticamente a produção e remessa de insumos e medicamentos.
 
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No ano passado, o Brasil importou 71,5 mil toneladas de medicamentos e produtos farmacêuticos, sendo 19,4 mil toneladas (27%) da China, e 5,4 mil toneladas (7,5%) da Índia. A maior parte dos produtos asiáticos refere-se a Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs).
 
“Atuando há muitos anos no mercado, entendo que as indústrias necessitam ter o abastecimento dos insumos adequados para continuar a produzir os medicamentos necessários para manter os hospitais e clínicas operando, e as famílias adquirindo os medicamentos de suas necessidades. Nesse sentido, é imprescindível que seus fornecedores não interrompam sua produção e o fornecimento dos insumos”, diz o especialista na indústria farmacêutica, Jair Calixto.
 
Para o presidente executivo do Sindicato das Indústrias Farmacêuticas no Estado de Goiás (Sindifargo), Marçal Henrique Soares, a principal preocupação da indústria é o prolongamento na Ásia dessa crise. Segundo ele, a China já está retornando ao normal, dizem informações, 80% das indústrias já estão trabalhando e em questão de mais alguns dias as fábricas estarão operando com 90% da capacidade. Essa perspectiva elimina grandes problemas de falta de IFAs.
 
Os IFAs são substâncias químicas ativas, fármacos ou matérias-primas que têm propriedades farmacológicas com finalidade medicamentosa, utilizados para diagnóstico, alívio ou tratamento, empregados para modificar ou explorar sistemas fisiológicos ou estados patológicos, em benefício da pessoa na qual se administra. Em síntese, são o princípio ativo do medicamento.
 
Eles representam o início da cadeia produtiva da indústria farmacêutica. Para assegurar a qualidade das matérias-primas utilizadas na produção de medicamentos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é responsável pela autorização de funcionamento das empresas e pelo controle sanitário dos insumos farmacêuticos, mediante a realização de inspeções sanitárias e a elaboração de normas.
 
Além disso, o órgão realiza o cadastramento dos insumos farmacêuticos ativos para empresas que exerçam as atividades de fabricar, importar, exportar, fracionar, armazenar, expedir, embalar e distribuir insumos. As notificações de insumos farmacêuticos com desvios de qualidade também são avaliadas.
 
Dificuldades
 
Segundo Calixto, as dificuldades entre Brasil e China são as mesmas de tempos atrás, como a taxa de câmbio, que influencia bastante os custos e diretamente os preços, a logística e problemas internos do próprio país oriental, como a questão ambiental e de segurança, que obrigaram ao fechamento de fábricas por lá, que afetou e diminuiu a oferta em anos anteriores, aumentando os preços. “Mas isso já ocorreu antes da pandemia”, reitera.
 
O especialista prossegue compartilhando sua visão de que, de acordo com distribuidores, alguns poucos insumos (não críticos, por exemplo, vitaminas) apresentam dificuldade no abastecimento para ao Brasil. Porém, pelo que tem percebido, as empresas estão trabalhando firme, sem grandes dificuldades. Portanto, não sente que há perigo iminente de desabastecimento, já que várias empresas possuem estoque regulador.
 
O problema pode aparecer no início do próximo mês. “A produção na China está sendo retomada agora e deve demorar um tempo para se estabilizar, porém, simultaneamente está ocorrendo a interrupção da produção na Índia”, pontua Calixto.
 
Para Soares, o maior impacto por conta desses atrasos é o custo em dólar que está aumentando – a própria cotação que subiu quase 30%, e as medidas de proteção aos trabalhadores que reduziu quase 20% da produção brasileira. “Muitos funcionários do grupo de risco estão em casa e estamos pagando a todos normalmente”, diz o presidente executivo.
 
“O aumento do preço do dólar impacta de forma considerável. O planejamento para 2020 foi feito com a moeda a R$ 4,20 e agora ela tem fechado a mais de R$ 5. Sem contar que grande parte dos materiais importados que chegavam por meio marítimo agora chegam por transporte aéreo para agilizar a entrega e atender à demanda, encarecendo os valores e ainda gerando redução dos descontos comerciais por parte da indústria, dificultando as estratégias de compra e venda”, explica o farmacêutico industrial, diretor do CDPI Pharma – Centro de Desenvolvimento Profissional Industrial e diretor do Ephar – Instituto Analítico, Poatã Casonato.
 
Especialistas dizem que o Brasil ainda não atingiu o pico de infecções da Covid-19, o que deve ocorrer nas próximas semanas. Sobre a indústria farmacêutica estar preparada para atuar neste momento, Soares diz ressalta que é difícil afirmar. Segundo ele, todas as indústrias têm seus comitês internos de crise, protocolo de segurança super rígido. Além do mais, as indústrias brasileiras já seguem normas sanitárias muito rigorosas, o que têm contribuído bastante. “Muito mesmo. Apenas intensificamos essas normas e aumentamos as mesmas”, pontua.
 
 
De acordo com Casonato, as fábricas brasileiras seguem rígidos padrões de segurança, e seus colaboradores vêm recebendo acompanhamento diário para que possam continuar produzindo medicamentos de alta qualidade, a partir de protocolos de segurança. “Em momentos como este percebemos o engajamento desse setor em não medir esforços para o desenvolvimento de medicamentos e ressaltando seu histórico de responsabilidade social”, atesta.
 
Colapso nos estoques
 
As indústrias farmacêuticas dizem que não haverá falta de produtos no mercado. A China atrasou o envio de matéria-prima para o Brasil, em média 20 dias, mas já voltou ao normal. Casonato reitera que pode ser que aconteça ruptura de produtos de alta demanda, por conta do aumento da procura, mas que isso não se dará por falta de matéria-prima ou capacidade de produção.
Já Calixto diz que em um cenário otimista, de regressão da pandemia em poucas semanas, não impactará grandemente. “É claro, que em um cenário de extensão da pandemia por vários meses, poderemos ter problemas, em função da China direcionar a maior parte da produção para seu mercado interno e, com o restante, abastecer o mundo todo. Devemos lembrar que a Índia, outro fornecedor importante, está paralisando as atividades”, reforça.
 
Outro ponto importante a considerar é a logística, muito prejudicada pela suspensão de voos. Com esse cenário, Calixto diz que o Brasil pode vir a ter problemas. Tudo depende também do estoque regulador das empresas – algumas possuem estoque de três meses, seis meses e este estoque pode determinar por quanto tempo as operações continuarão, sem serem afetadas pelos problemas da dos fornecedores. “Não é tarefa fácil prever isso neste cenário complexo e imprevisível. Qualquer resposta afirmativa pode ser adivinhação”, conta.
 
Soares reforça que o Brasil tem condições de garantir o abastecimento até final de maio. “Como a China está voltando ao normal, e já estamos recebendo algumas matérias-primas, não estamos vendo essa possibilidade (de colapso). Temos estoques de insumos, produtos acabados, a distribuição possui estoque e o varejo também”, completa.
 
Perspectivas
 
O presidente executivo fala que, com a previsão de uma recessão econômica de um PIB negativo de até 6,5%, mais o desemprego, mais a demora na retomada das cadeias produtivas, vislumbra-se uma inflação alta, juros altos, dólar continuando alto e uma queda importante no poder aquisitivo da população.
 
“Os medicamentos representam o primeiro setor que entra em crise e o primeiro que sai. Sabemos que entraremos na crise das vendas para população, para o Governo, para os hospitais e teremos, sim, uma queda não muito expressiva nas vendas e, consequentemente, na produção. Estamos preparando também para uma queda importantíssima em nosso lucro e capacidade de investimento”, afirma Soares.
 
Para Calixto, passada a crise, a retomada da indústria deverá ser bem consistente. O mercado como um todo já vinha se recuperando das quedas dos últimos anos e as projeções do mercado farmacêutico de se tornar o quinto mercado em 2023 devem se cumprir.
 
O Guia 2019 da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) confirma a subida de posição no ranking, justificadas pelas dimensões continentais favoráveis, justamente por haver um mercado expressivo, do mesmo modo que as dificuldades de acesso existentes no País o impedem de ocupar uma posição ainda mais elevada.
 
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