Entenda as ações regulatórias na indústria farmacêutica em tempos de pandemia

POR EGLE LEONARDI E JÚLIO MATOS
Em tempos de pandemia, o CDPI Pharma tem realizado uma série de lives abordando importantes temas para a indústria farmacêutica e também para o atual cenário da saúde brasileira. Em um desses encontros, foram reunidos grandes nomes do âmbito regulatório para falar de normas, guias e ações de enfrentamento ao novo coronavírus.
 
No entanto, para se entender o ciclo de vida dos produtos é necessário, antes, considerar os guias e diretrizes do Conselho Internacional de Harmonização de Fármacos para Uso Humano (ICH), principal fórum mundial de harmonização de requisitos técnicos composto por autoridades de regulação e indústria farmacêutica.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) passou a ocupar, em novembro do ano passado, a última vaga disponível no Comitê Gestor do ICH. A decisão foi tomada pela Assembleia do ICH, após o reconhecimento de que a Agência cumpre satisfatoriamente os requisitos estabelecidos para ocupação da vaga eletiva de membro regulador.
 
O ICH reúne autoridades reguladoras e associações de indústrias farmacêuticas para discutir aspectos técnicos e científicos para o registro de medicamentos. Até o momento, o Conselho desenvolveu mais de 60 guias relacionadas a aspectos de qualidade, segurança, eficácia e assuntos multidisciplinares.
 
Foco no paciente
 
Em conversa com o diretor do CDPI Pharma, Poatã Casonato, o gerente de avaliação de tecnologia de registro de medicamentos sintéticos da Anvisa, Rafael Sanches, destacou que as agências de regulação internacional, incluindo a brasileira, têm realizado um trabalho conjunto, cujo foco é no paciente. Segundo ele, o objetivo das ações regulatórias é auxiliar o paciente, e esse é o foco que norteia – e muito – as discussões no ICH.
 
“O ganho técnico que temos, de ter outras pessoas para conversar com foco no paciente é muito grande. A forma como o ICH trabalha trouxe um aprendizado muito grande pra mim, e acho que conseguimos praticar muito isso na Anvisa. A Anvisa tinha o fluxo regulatório muito engessado. O ICH trabalha com grupos de especialistas, que têm agência e tem setor regulado desde o começo. A ideia é que a discussão seja científica e seja com foco no paciente”, enfatiza Sanches.
 
Ciclo de vida do produto
 
A RDC 301/19, da Anvisa, foi publicada com o objetivo de adotar as diretrizes gerais de Boas Práticas de Fabricação de Medicamentos do Esquema de Cooperação em Inspeção Farmacêutica (PIC/S), como requisitos mínimos a serem seguidos na fabricação de medicamentos.
 
Em relação a essa Resolução, a gerente de vigilância sanitária de produtos na Superintendência de Vigilância em Saúde do Estado de Goiás (Suvisa/GO), Eliane Rodrigues, disse que não houve tantas mudanças drásticas em relação a sistemas de gestão da qualidade. O que se teve foram medidas pontuais que serão implementadas.
 
“Mas o que considero o esforço da indústria nesse primeiro momento de mudança é realmente adotar estratégia do ciclo de vida do produto. Trabalhar com ciclo de vida é trabalhar com esse pensamento, porque todo processo será voltado pela análise de gerenciamento de risco, desde a concepção do desenho do produto, do processo de desenvolvimento, passa-se pelo processo de qualificação e validação e de verificação continuada desse processo produtivo”, falou Eliane.
 
Segundo a executiva, o grande destaque para o desenvolvimento de novos produtos na indústria farmacêutica, com certeza, é o ciclo de vida, de forma que as empresas – e os técnicos – devem conhecer profundamente os seus produtos e seus processos.
 
 
Eliane diz que existe uma dificuldade de se alinhar o processo do desenvolvimento com as Boas Práticas de Fabricação (BPFs). Mesmo os processos de inspeção não eram focados na parte de desenvolvimento.
 
“O máximo que nós avaliávamos era a parte dos estudos de estabilidade, de registro do produto. É fundamental conhecer profundamente o processo produtivo, por meio de um bom desenvolvimento farmacotécnico. Esse deve ser o olhar da indústria farmacêutica para o ciclo de vida do produto. Focar nos guias do ICH – Q8, Q9, Q10, Q11 e Q12, como bíblia”, afirma Eliane.
 
Aproximação
 
Do mesmo modo que o trabalho junto ao ICH, Sanches mencionou a aproximação da Anvisa às agências regulatórias norte-americana (Food and Drug Administration – FDA) e europeia (European Medicines Agency – EMA).
 
“Essa aproximação é bem importante por vários motivos. A regulação é muito baseada em ciência e, assim como a ciência, não se faz isoladamente. Aproximando-nos de outras agências aprendemos a não errar onde elas já erraram. E aquilo que elas já acertaram nós seguimos e até aperfeiçoamos, adaptamos para a nossa realidade. Isolados demora-se muito mais para avançar. A aproximação nesse sentido é fundamental. As agências também aprendem conosco. O Brasil é um País com suas especificidades, a Anvisa é uma agência com suas especificidades. Eu acho que é um aprendizado mútuo”, garante Sanches.
 
IFAs
 
Outra questão tratada por Sanches foi sobre Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs), matéria-prima da fabricação de todo e qualquer medicamento e que representam o início da cadeia produtiva da indústria farmacêutica.
 
“A harmonização é sempre importante, mas no caso de IFAs ela é mais importante ainda, porque o Brasil ao mesmo tempo em que é dependente de fabricantes internacionais, também é um mercado que não é tão grande. Não somos um mercado como o americano, que pode impor seus interesses por conta do consumo”, revelou o especialista em regulação e vigilância sanitária.
 
Para Sanches, o assunto é emblemático do mesmo modo que a harmonização, porque quando não se harmoniza um medicamento tem-se menos opção de fabricantes de IFAs, logo se tende a ficar mais dependentes ainda de poucos fabricantes e, quando acontece algo como a pandemia de Covid-19, em que Índia e China pararam de funcionar, tem-se um risco muito sério de desabastecimento.
 
 
Coronavírus
 
O gerente-geral de medicamentos e produtos biológicos da Anvisa, Gustavo Mendes falou sobre as perspectivas de um medicamento para tratar a Covid-19. Segundo ele, tradicionalmente espera-se que um produto que já existe no mercado para determinada indicação seja incluído na bula de outra determinada medicação. O que se espera é que se comprove, por meio de estudos clínicos, a segurança e eficácia desses medicamentos.
 
“Esses estudos clínicos têm que ser conduzidos com uma estatística adequada, robusta, que avalie a eficácia do produto em um desfecho que seja relevante para a doença e que seja seguro, que tenha dose bem estabelecida e que todos os aspectos estejam inequivocamente claro para nós, especialistas da Anvisa”, disse Mendes.
A tradição é um estudo clínico completo, que mostre a segurança eficácia e que seja estatisticamente robusto. Mas no âmbito da pandemia, de todo apelo que existe, a Anvisa tem buscado acompanhar todos os estudos de perto, trabalhado para coletar e reunir as evidências de todos eles para tomar uma decisão regulatória, o que não é comumente feito pela agência reguladora.
 
“Ela sempre se baseia nos estudos regulatórios, ou seja, estudos que tiveram aprovação da agência, que tem rastreabilidade, que tem todas as comprovações”, reitera Mendes.
 
De acordo com o gerente-geral, no caso da Covid-19 há vários estudos sendo conduzidos no âmbito acadêmico, no âmbito internacional, e tudo isso ajudará a Anvisa a compor uma decisão regulatória sobre incluir ou não uma bula com medicação para a doença causada pelo novo coronavírus. Essa é uma situação nova para vários países, porque usar dados que são de estudos observacionais, acadêmicos é o que auxiliará na tomada de decisão regulatória.
 
“Mas uma coisa é fato, para incluirmos em bula, precisamos ter certeza de que o produto funciona naquela dose, com aquela indicação, com aquela posologia”, ressalta Mendes.
 
RDC 348/20
 
Mendes também comentou sobre RDC 348/20, criada pela Anvisa em março, e que define os critérios e procedimentos extraordinários para tratamento de petições de registro de medicamentos, produtos biológicos e produtos para diagnóstico in vitro e mudança pós-registro de medicamentos e produtos biológicos, em virtude da pandemia do coronavírus.
 
A abrangência dessa norma é restrita aos pedidos de registro com indicação terapêutica específica para prevenção ou tratamento da Covid-19, bem como, para o diagnóstico in vitro para coronavírus.
 
“O rito das doenças raras não é só a flexibilização de estudos, o rito é a agilidade nas respostas. Temos clareza absoluta de que, assim que se tiver uma vacina promissora, vamos empenhar todos os nossos esforços para que possamos dar celeridade nessas respostas. A grande expectativa que temos é a vacina, que é a maneira com que temos mais certeza de que podemos erradicar essa doença”, disse Mendes.
 
Para o executivo, no âmbito da RDC 348/20 pode-se aplicar termo de compromisso para qualquer tipo de produto. A Anvisa deu um entendimento para a Resolução de que se é um produto para Covid-19, ou se ele está relacionado a manejo, manutenção da vida, qualquer produto que esteja de alguma maneira desafogando o Sistema Único de Saúde (SUS) ou ajudando o paciente a ter melhor qualidade de vida, ou reduzindo tempo de hospitalização, se quer que esse produto esteja no mercado o mais rápido possível.
 
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