Da planta ao medicamento: o desenvolvimento de fitoterápicos no Brasil
Por Egle Leonardi e Júlio Matos
Fitoterápicos são produtos medicinais derivados de plantas, como folhas, raízes, flores, frutos e sementes. Possuem uma longa história de uso em diversas culturas ao redor do mundo, e recentemente têm ganhado mais atenção na indústria farmacêutica moderna. O desenvolvimento desses medicamentos envolve um processo rigoroso, que se inicia com a identificação e a coleta de plantas com propriedades medicinais, que são cuidadosamente selecionadas para garantir a qualidade e a eficácia do produto final. As partes das plantas são então processadas para a extração dos compostos ativos, utilizando métodos como secagem, trituração e extração química.
Segundo o Gerente de Medicamentos Específicos, Fitoterápicos, Dinamizados, Notificados e Gases Medicinais da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e professor do CDPI Pharma, João Paulo Perfeito, o Brasil, sendo um dos países com a maior biodiversidade do mundo, possui um vasto conhecimento tradicional, especialmente entre os povos indígenas, e uma forte base de pesquisadores dedicados ao estudo de plantas medicinais. Além disso, há um interesse significativo da população brasileira no uso de fitoterápicos.
No entanto, o desenvolvimento dessa classe é um processo multifacetado que requer a integração de diversas áreas do conhecimento. Este processo vai além do que é necessário para o desenvolvimento de medicamentos sintéticos e biológicos, já que envolve conhecimentos específicos de botânica, etnobotânica, agronomia, ecologia, fitoquímica, farmacologia, toxicologia, biotecnologia e tecnologia farmacêutica. Cada uma dessas áreas precisa ser harmoniosamente coordenada para que um fitoterápico possa ser desenvolvido de maneira eficaz e segura.
Além da complexidade do desenvolvimento, a regulação dos fitoterápicos também desempenha um papel fundamental. No Brasil, os fitoterápicos devem passar por um rigoroso processo de regulamentação estabelecido pela Anvisa, que inclui a necessidade de comprovação científica da segurança e eficácia dos produtos, o que pode ser um desafio significativo, considerando os recursos e o tempo necessários para realizar estudos clínicos e obter aprovação regulatória.
Essa combinação de complexidade no desenvolvimento e exigências regulatórias rigorosas pode explicar por que há relativamente poucos fitoterápicos registrados no Brasil, apesar do imenso potencial da biodiversidade. No entanto, o interesse crescente e os investimentos em pesquisa e desenvolvimento nessa área sugerem que o número de fitoterápicos oriundos da flora brasileira poderá aumentar no futuro.
“O desenvolvimento de fitoterápicos envolve áreas bastante distintas e específicas. Além das limitações financeiras, principalmente no que diz respeito ao financiamento público para pesquisas com plantas medicinais, há uma grande disparidade entre o número de pesquisas básicas e aquelas que são aplicadas ou focadas na criação de fitoterápicos. É notório que, em relação às plantas medicinais brasileiras, existem poucos dados de pesquisas sistematizados que forneçam todas as informações necessárias para transformar uma planta em um produto final”, destaca Perfeito.
Da planta ao medicamento registrado
Para a diretora técnica do Herbarium Laboratório Botânico e professora do CDPI PHarma, Cristina Ropke, desenvolver um medicamento fitoterápico inovador não é fácil. Entre as dificuldades está o alto custo envolvido na padronização desses produtos.
Ao contrário do que se imagina, padronizar produtos naturais exige muito esforço e equipes multidisciplinares. Além disso, o investimento necessário para realizar todos os ensaios e chegar a um dossiê que permita o registro de um medicamento inovador pode ser extremamente alto, chegando a 10 ou 15 milhões de reais, ou até mais. Esse é um investimento de alto risco devido às várias barreiras tecnológicas que precisam ser superadas.
No entanto, é importante abordar esse tema com cuidado e atenção, pois o desenvolvimento de medicamentos fitoterápicos pode ter um impacto significativo no desenvolvimento socioeconômico sustentável do País.
Influência das regulamentações
A Gerente de Assuntos Regulatórios e Solicitações Técnicas do Grupo Centroflora e professora do CDPI Pharma, Tatiana Ribeiro, trabalha há 23 anos na indústria farmacêutica e há seis atua na indústria de insumos farmacêuticos ativos vegetais. Ela afirma que, acompanhando toda a cadeia, percebe que as legislações e regulamentações têm um papel fundamental na comercialização de produtos. A disponibilização desses produtos e a forma como são controlados só é possível por meio da regulamentação da Anvisa.
“A regulamentação abrange desde a pesquisa e desenvolvimento, onde as legislações fomentam parcerias público-privadas, desenvolvendo conhecimento, até a regulamentação das boas práticas de fabricação. Quando avançamos no desenvolvimento do produto até o registro, passamos pelo fomento à inovação, tudo isso regulamentado. Todas as informações que garantem a qualidade, segurança e eficácia desses medicamentos são avaliadas no momento do registro e estão sob análise regulatória rigorosa”, explica Tatiana.
Todas as informações que garantem a qualidade, segurança e eficácia desses medicamentos são avaliadas no momento do registro e estão sob análise regulatória rigorosa. Após o registro, o processo de comercialização também é estabelecido por normas, incluindo produtos isentos de prescrição, rotulagem e comunicação desses medicamentos. A fase pós-comercialização é fundamental para detectar riscos e monitorar efeitos adversos.
Isso resume a importância da regulamentação para a vigência de fitoterápicos. Além disso, há o pós-registro, que inclui alterações nos produtos e a renovação de registros, momento ideal para a Anvisa revisitar esses processos e manter os registros atualizados conforme as normas vigentes da época.
O que está por vir
“Hoje, o que observamos é que a segurança e eficácia é muito simplificada em relação a outros países em que os fitoterápicos são regulados como medicamento. Cada País desenhou o seu caminho de uso de seus produtos naturais. E aqui, tanto a legislação sanitária quanto o código penal dizem que qualquer coisa que tem uma indicação terapêutica tem que estar autorizada pela Anvisa como medicamento. Isso é muito complexo do ponto de vista regulatório em relação a outros países que conseguem desenhar caminhos mais simples”, fala a especialista em regulação e vigilância sanitária da Anvisa e professora do CDPI Pharma, Ana Cecília Carvalho.
Ela explica que a legislação internacional foi estudada extensivamente e que a harmonização com a comunidade europeia foi considerada o melhor caminho. Isso incluiu a simplificação dos registros de fitoterápicos, reconhecendo as monografias do HMPC e elaborando um formulário de fitoterápicos para farmácias de manipulação e notificação de fitoterápicos. A simplificação legislativa aumentou o número de produtos registrados e os livros de referência utilizados para comprovar o uso tradicional.
Apesar dessas melhorias, Ana lamenta que o setor produtivo brasileiro ainda não utilize plenamente as vias mais simples de notificação, o que resulta em poucos fitoterápicos notificados.
PDPI – Fitoterápicos
O curso PDPI Medicamentos Fitoterápicos do CDPI Pharma é um dos programas mais completos do Brasil no tema regulamentação, desenvolvimento, produção, controle e regularização de Fitoterápicos industrializados. Com duração de cinco meses, o treinamento é composto por dez encontros on-line.
A capacitação promove o diálogo com especialistas e profissionais conceituados da indústria, por meio de encontros semanais que buscam explorar em detalhes a regulamentação sanitária brasileira aplicada ao desenvolvimento, produção e às etapas de pré e pós-mercado de medicamentos fitoterápicos industrializados, ampliando a rede de contatos dos alunos, oferecendo, assim, uma sólida e efetiva orientação técnico-regulatória.
O curso possibilita o conhecimento sobre os requisitos técnicos e o contexto regulatório para regularização de Medicamentos Fitoterápicos industrializados no Brasil, incluindo os três pilares: segurança, eficácia e qualidade; bem como a discussão dos principais aspectos técnico-científicos relacionados ao desenvolvimento de medicamentos fitoterápicos, produtos tradicionais fitoterápicos e produtos de cannabis.
As primeiras aulas do PDPI Medicamentos Fitoterápicos ocorre nos dias 24 e 31 de agosto. Mais informações e inscrições AQUI.
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