Por trás do Ozempic: Isabella Wanderley, CEO da Novo Nordisk, fala de equidade de gênero, carreira e os desafios de liderar a farmacêutica

A esta altura, é bem provável que você tenha ouvido falar de Ozempic. O medica mento, que chegou ao Brasil em 2019, ganhou fama pelo emagrecimento que causa, apesar de ter sido criado para o controle da diabetes tipo 2. Sua fabricante, a dinamarquesa Novo Nordisk, é hoje uma das farmacêuticas mais valiosas do mundo.

Em terras brasileiras, está presente desde 1990 e tem uma mulher como CEO, Isabella Wanderley. A empresa, focada no tratamento de doenças crônicas como diabetes, obesidade e hemofilia, se tornou a mais valiosa da Europa dentre as que são negociadas na bolsa em 2023.

Natural de Niterói, no Rio de Janeiro, Isabella é filha de médicos, mas decidiu trilhar carreira fora dos consultórios. “Eu quis cursar economia, fiz PUC-RJ. Quando me formei, entrei como trainee em marketing na Gillette e fui trabalhar no México, aos 21 anos. Aprendi muito trabalhando com outra cultura”, relembra a executiva, que também viveu no Chile e na Inglaterra por conta da carreira. Foram 30 anos na indústria da beleza, tendo passado pela L’Oréal, chegando a ser vice-presidente no Grupo Boticário, até ser convidada a assumir o posto de CEO na Novo Nordisk em 2021.

“Estamos lidando com pessoas, não importa se falando de cosméticos, de varejo, ou de uma farmacêutica. E a Novo [Nordisk] trabalha com pacientes de doenças crônicas. São pessoas que vão conviver com a doença para o resto da vida”
, comenta Isabella sobre as semelhanças do mercado de beleza e de medicamentos. Segundo ela, o mundo do consumo a preparou para pensar não só nos remédios, mas, sim, no paciente.

Essa visão da CEO tomou formas práticas com a implementação de diversas medidas. O paciente passou a ser visto como cliente com demandas específicas; foram criados novos canais de comunicação com os médicos; e uma academia on-line para fortalecer o relacionamento com os profissionais de saúde com informações sobre estudos, congressos e notícias. O resultado é que a Novo Nordisk tem aproveitado o boom do Ozempic, a ponto de crescer mais de 50% ao ano sob a liderança de Isabella no Brasil.

Mesmo com a bula do remédio apontando o uso apenas para diabetes, o chamado “off label”, ou seja, fora da finalidade descrita em rótulo, ganhou o mundo. Mas a estratégia da Novo Nordisk foi se manter contida no tratamento a que se destina. “O Ozempic é um remédio para o diabético 2. O que a gente fez durante todo esse crescimento de vendas que vimos, principalmente nas mídias sociais, foi posicionar muito a Novo como uma fonte de informações seguras e verdadeiras. Sempre fomos categóricos sobre o produto ter sido testado e com extrema eficácia para o paciente com diabete tipo 2 e não para a obesidade”, explica Isabella.

Assim, logo a empresa investiu nas pesquisas do ativo, a semaglutida, para a perda de peso e lançou em agosto deste ano o Wegovy, focado no tratamento da obesidade. No entanto, o Ozempic continua gerando debates e reflexões tamanha sua disseminação e impactos em outros setores. Segundo uma matéria do The Wall Street Journal de junho deste ano, por exemplo, o consumo do remédio tem afetado a indústria têxtil. A reportagem “Ozempic alimenta a busca por roupas menores” menciona a marca de luxo no-va-iorquina Lafayette 148, que viu cerca de 5% dos clientes comprando roupas novas por conta da perda de peso.

Toda discussão sobre autoaceitação, gordofobia, diversidade de tamanhos, pondo em xeque padrões de magreza e beleza, ganhou ainda mais proporção depois de celebridades Brasil afora terem assumido o uso do medicamento para redução de medidas. Porém, o posicionamento de Isabella Wanderley e da Novo Nordisk é claro: “A gente sabe que a obesidade é uma pandemia. Temos esse papel de inovação científica, de trazer um tratamento eficiente, seguro, mas também ajudar a desmistificar a questão. A discussão não deve ser sobre estética e sim sobre saúde. A pessoa com obesidade não tem culpa e, quando a rotulamos, não estamos conversando sobre a saúde dela. Há uma série de estudos que afirma haver mais de 200 comorbidades, ou seja, doenças relacionadas à obesidade. Temos que tirar o paciente do lugar de culpa, que paralisa”.

A popularização do Ozempic atingiu níveis tão altos que a polêmica ultrapassou as discussões comportamentais e sociais e virou objeto de investigação policial. De agosto ao final de novembro de 2024, haviam registros de que o medicamento tinha sido alvo de falsificação, com mais de 50 casos reportados e vítimas graves que usaram o remédio falso, segundo a Novo Nordisk.


No esquema criminoso, a caneta injetora do Ozempic é trocada por uma de insulina, o que pode levar o paciente a uma crise de hipoglicemia com danos neurológicos e até parada cardiorrespiratória. Para Isabella, a principal preocupação são os pacientes. Ela diz que a empresa tem acompanhado os casos que chegam, comunicado e colaborado com as autoridades. “Trata-se de uma ação criminosa, que deve ser encarada como tal e esperamos que consigam solucionar esses casos o mais rápido possível. Importante que as pessoas que usam nossos tratamentos fiquem atentas aos sinais de falsificação, que divulgamos em nosso website”, fala.

Apesar do crescimento do Ozempic e da Novo Nordisk, em 2026 está prevista a queda da patente da semaglutida, o que fará com que a empresa deixe de ser a única autorizada a produzir e comercializar produtos com o ativo. Medicamentos genéricos ou concorrentes poderão surgir no mercado, tirando a exclusividade do Ozempic e do Wegovy. Isabella enxerga isso com naturalidade. “Os ciclos de desenvolvimento são longos. A semaglutida começou a ser desenvolvida há cerca de 20 anos, até ser lançada aqui no Brasil em 2019. Então, são processos de muito investimento e que depois têm o seu tempo de patente. É natural. Por isso continuamos investindo em novas moléculas.”

Diversidade na indústria farmacêutica

Se você imagina que o setor de medicamentos é bastante masculino, está certa. No entanto, essa realidade tem sido transformada por líderes como Isabella. Ela confessa que vindo do mercado de beleza, sentiu falta da presença feminina. “Ainda me choco quando vou a congressos e só tem homens.”


Esse espanto é compreensível para quem cresceu em um ambiente como o dela. “Minha família é de mulheres. Os homens eram minoria na mesa de casa. Sempre senti que eu podia falar e levei isso pro mundo corporativo. Ser a única mulher em reuniões nunca me impediu de fazer perguntas”, conta.


A executiva faz parte de importantes grupos de lideranças femininas como o LeaderShe, que reúne mais de 20 mulheres CEOs da indústria farmacêutica em nome da equidade de gênero, e o Women Corporate Directors (WCD), de alta liderança em diferentes mercados. Isso tem reflexos práticos na empresa. “Temos trabalhado fortemente na Novo Nordisk para trazer mais equidade. Hoje, são cerca de 56% de mulheres na liderança. Estamos acima da média global da empresa”, diz Isabella.

Já sobre diversidade, ela diz que foram feitos trabalhos em etapas. Inicialmente, com letramento racial e de gênero para todos na Novo Nordisk. Depois, traçaram metas e objetivos para a abertura de vagas afirmativas e atração de talentos diversos. Porém, foi preciso muita argumentação com a sede dinamarquesa. “A empresa na Dinamarca não está acostumada com vagas afirmativas. Tivemos desencontros com a gestão global porque antes não podíamos perguntar para as pessoas raça, gênero. Tem uma coisa europeia de respeito à privacidade. Com muita conversa, explicamos que no Brasil está tudo certo perguntar sobre isso.

Através dessas iniciativas Isabella viu mulheres se candidatando pela primeira vez a determinados cargos que, segundo ela, acreditavam que não podiam ocupar. Quando questionada sobre as vantagens práticas da presença feminina na gestão, a resposta vem com facilidade. “As mulheres envolvem mais as pessoas nas decisões. Sinto que os homens, até pelo meio, é esperado que tenham as respostas, que saibam tudo e, assim, se tornam mais sozinhos. Talvez por isso a gente consiga soluções melhores, porque tem mais diversidade de pensamento. A segunda coisa é o cuidado, que acho que tem a ver com o feminino, não com a mulher. O cuidado que traz as preocupações de bem-estar, diversidade.”

Esse olhar para a presença feminina e seus desafios nas empresas tem a ver com o que Isabella enfrentou em seu próprio caminho. Ela se tornou mãe de Joana aos 28 anos e conta que a gravidez foi toda planejada, que é como prefere as coisas. Uma das fases mais desafiadoras foi quando estava morando no México, aceitou uma proposta de trabalho e precisou voltar ao Brasil, deixando sua filha de 15 anos, na época, com o pai. “Essa decisão me exigiu emocionalmente, mas foi um momento em que decidi que precisava fazer aquilo por mim”, conta.

Por tudo que passou, se diz preocupada com a mulher que decide ter filhos. “Muitas de nós têm o dilema de que a carreira não se estabilize por causa disso.” Ser mãe trouxe a Isabella uma lição profissional que carrega consigo. “Não controlamos tudo. Você pode apoiar, influenciar, trazer suas experiências, mas não controla tudo. Isso, principalmente no meu trabalho de liderança, é importante. É preciso respeitar que as pessoas têm tempos diferentes do meu, têm outra bagagem. Por isso precisamos conversar mais para chegar em um ponto em comum. A maternidade me ajudou bastante nisso”, finaliza.

 

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