Medicamentos biológicos são tendência para a indústria farmacêutica

POR EGLE LEONARDI E JÚLIO MATOS
A evolução da indústria farmacêutica e das tecnologias empregadas na produção de medicamentos mostram o crescimento do segmento de medicamentos biológicos. Prova disso está no empenho pelo desenvolvimento de uma vacina eficiente para a Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.
 
“No entanto, sabe-se que inovação e tecnologia não são recentes nessa seara, que a partir dos anos de 1980 viu nascer os medicamentos biológicos, que são produtos derivados da tecnologia do DNA recombinante e considerados a revolução no tratamento de doenças endócrinas, reumatológicas, autoimunes e o câncer”, afirma do diretor do CDPI Pharma – Centro de Desenvolvimento Profissional Industrial e do Ephar – Instituto Analítico, Poatã Casonato.
 
Segundo a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), a tecnologia do DNA recombinante permite cortar genes, recombinar pedaços de diferentes fontes e transferir o material genético modificado para a uma célula hospedeira, que passa a fabricar uma proteína para a qual foi reprogramada. Medicamentos biológicos constituem uma classe heterogênea de produtos, mas têm a complexidade como principal característica comum.
 
Ainda de acordo com a Interfarma, os medicamentos sintéticos tradicionais são moléculas pequenas, bem conhecidas, sintetizadas a partir de precursores bem definidos e, por isso, facilmente reprodutíveis. Os biológicos, ao contrário, são moléculas grandes, complexas, com milhares de átomos, em alguns casos com estrutura apenas parcialmente conhecida e, por consequência, dificilmente reprodutíveis.
 
O CDPI Pharma promoveu duas lives para abordar as opiniões de especialistas, assim como as perspectivas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre o cenário atual dos produtos biológicos, as novas resoluções e, sobretudo, as necessidades e oportunidades que estão surgindo com eles.
 
“O que eu considero como mais desafiador é compreender o processo de produção, especialmente porque estamos falando de produtos que são fabricados na sua primeira parte dentro de uma célula, ou a própria célula que vai se desenvolver; envolve tecnologia do DNA recombinante, então o mais desafiador é justamente compreender o processo. Estamos falando de produtos que terão uma resposta imune, vão agir dentro do corpo humano”, disse o coordenador de Assuntos Regulatórios no Instituto Butantan, Cleber Gomes.
 
Para Casonato, no contexto farmacêutico, tanto a área de registro, como o que envolve pesquisa clínica são as que têm maior contato com o produto biológico. A cada ano elas vêm se aprimorado mais ainda, principalmente agora com a Anvisa integrando o Conselho Internacional de Harmonização de Fármacos para Uso Humano (ICH).
 
Formas de registro
 
“O produto biológico tem três formas de se registrar: produto novo – aquela molécula inovadora; o produto pela via de desenvolvimento individual, onde você vai registrar um produto de uma molécula que já existe, mas você propriamente desenvolve; e via por comparabilidade, os famosos biossimilares. Desses três grupos, acho que o biossimilar acaba sendo o mais desafiador, porque é preciso desenvolver um produto altamente semelhante a outro que já existe. Esse nível de complexidade, nível de estudo e nível de etapas de desenvolvimento requerem muito mais habilidade do que um produto novo, que se vai desenvolver do zero”, ressaltou Gomes.
 
A responsável pela Gerência de Avaliação de Produtos Biológicos (GPBIO) da Anvisa, Maria Fernanda Thees, reforçou que biossimilares são produtos biológicos altamente semelhantes ao produto já inovador, que tem registro no País. Trata-se de um tema que vem sendo discutido mundialmente há mais de dez anos. No Brasil, a Anvisa deu início ao processo de regulamentação em 2010, com a RDC 55.
 
Normas
 
“A produção de um produto biológico é diferente. Usa-se um sistema vivo. São outros controles e processos de fabricação, e há muita variação. A indústria nacional está muito mais capacitada para lidar com esse tipo de produto. O que percebemos é que existe ainda uma defasagem de profissionais para atuar no setor. O Brasil investe muito em pesquisa básica. Temos excelentes cientistas, mas, para essa parte de produção, estamos um pouco atrás. A tendência é essa. Você já consegue fazer terapia gênica. Acho que o País tem que acelerar mais, ter mais investimentos, com políticas estáveis daria para fortalecer esse setor”, destacou Maria Fernanda.
 
 
A RDC 55/10 trata sobre registro de produtos biológicos. Ela os define, e as RDCs 49 e 50, de 2011, são as de pós-registro e estabilidade. De acordo com Maria Fernanda, a RDC 55/10, à época em que a Anvisa a estava elaborando, preocupou-se em torná-la harmonizada com o que já vinha sendo feito na Europa. Em termos de requisitos técnicos ela está bem harmonizada com o que é praticado no exterior.
 
“Já para as RDCs de 2011, estamos na etapa final de conclusão dos textos para a publicação. O que há de considerável de harmonização, agora com a Anvisa no ICH, é que temos mais trabalho. Independentemente da entrada ou não da Anvisa no ICH, nós já planejávamos fazer essa harmonização há bastante tempo, porque harmonizar facilita para todos. Com a entrada da Anvisa, nós pudemos acelerar esse processo de harmonização e implementação desses guias”, reiterou a gerente da GPBIO/Anvisa.
 
Com relação às normas e às regulamentações, Gomes lembrou que o Brasil, uma vez que participa ativamente do ICH, muitos desses guias que antes se pesquisava para poder complementar a legislação brasileira, agora já estão incorporados à legislação. Para quem tem acompanhado a consulta pública de pós-registro de produtos biológicos, vários guias agora constam. Isso significa que a Anvisa está cada vez mais ao lado desses guias internacionais.
 
P&D
 
“No Brasil, nós temos particularmente a vertente de desenvolver biossimilares. Espero que cheguemos ao nível de desenvolver inovadores, mas nosso momento é de biossimilares. É oportuno. Esse momento foi criado com a RDC 55/10, desde lá estamos trabalhando com isso, posteriormente com a abertura de criação de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDPs), o mercado aqueceu-se em termos de empresas nacionais, querendo, de fato, colocar o seu produto no mercado, criar o seu grupo de trabalho, criar conhecimento, montar times para conseguir avançar primeiro com transferência de tecnologia. Eu vejo como um mercado bastante promissor o nosso”, afirma o coordenador de P&D na Blau Farmacêutica, Adair Vieira.
 
De acordo com ele, é possível haver um equilíbrio entre as dificuldades inerentes ao processo produtivo e seu controle de qualidade. O processo produtivo é um investimento de uma ordem financeira muito grande. O investidor brasileiro tem que realmente acreditar na sua vocação enquanto industrial para colocar recursos humanos trabalhando nesse desenvolvimento de processo de produto. Com relação ao controle em processo e em controle de qualidade do produto final, Vieira diz também ser muito desafiador.
 
“Existem requerimentos normalmente para testes, sejam em vivos, sejam em cultura similar. Sabemos que produtos biológicos têm um mecanismo de ação que requer um sistema vivo para obtermos a resposta biológica necessária, e para conseguirmos medir isso temos de mimetizar esse sistema biológico. A dificuldade em algum momento no controle de qualidade do produto final de um IFA, por exemplo, trata-se de estabelecer modelos em que se consiga avaliar a potência biológica do produto”, explicou o especialista.
 
Vieira destaca, ainda, que no processo de produção, sistemas de salas, sistemas de ar tratado, sistemas de reatores e biorreatores com sistemas de condições muito bem estabelecidas têm um investimento que é alto, e não é uma produção que começa e termina no mesmo dia. São horas de processo nas quais se tem de manter ativa, monitorando.
 
Segundo Maria Fernanda, o Brasil já era muito conhecido como um fabricante importante de vacinas – que é uma categoria de produtos biológicos. A Fundação Oswaldo Cruz e o Instituto Butantan são renomados mundialmente na produção desses itens. As PDPs permitiram uma internalização da tecnologia e do conhecimento para fabricação desses produtos em território nacional.
 
“Apesar disso, há ainda muito o que caminhar na direção tanto de desenvolvimento de novos produtos como internacionalização das tecnologias no País e, óbvio, é necessário muito investimento, não somente em parque industrial, mas em educação, na capacitação dos profissionais para atuar nesse setor, não somente para fabricar medicamentos, mas desenvolver novas moléculas, não ficar somente naquilo que já existe, mas também inovar, e o Brasil tem capacidade para isso”, garante a gerente da Anvisa.
 
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