Ascensão da biotecnologia amplia oportunidades na indústria farmacêutica

Por Egle Leonardi e Júlio Matos

É inegável que houve uma evolução significativa no desenvolvimento de produtos biológicos no Brasil. Claro que a pandemia de Covid-19 impulsionou essa transformação e a maneira como se enxergam as vacinas, por exemplo. O fato é que o mundo todo vive uma revolução em se tratando de biotecnologia, com possibilidades cada vez maiores de produtos terapêuticos e, consequentemente, perspectivas de tratamentos. Com o mercado em expansão especializar-se nessa área surge como um novo viés de carreira na indústria farmacêutica.

São inúmeras pesquisas, novas moléculas, novas plataformas vacinais… e as resoluções acompanham esse movimento. Durante a pandemia, o aspecto regulatório se mostrou estratégico, evidenciando que não basta desenvolver um produto e não pensar em como transformá-lo em algo que será regulado e disponibilizado para a população.

“Nos últimos anos, houve uma mudança significativa nas percepções e necessidades de produtos biológicos e biossimilares. Com as leis agora maduras e as diversas vias regulatórias para biossimilares em diversos países, os desafios enfrentados pelas indústrias, nacionais e internacionais, na comercialização, produção e acesso a esses produtos, se tornaram o foco”, destaca o diretor do  CDPI Pharma e do Ephar – Instituto Analítico, Poatã Casonato.

A RDC 55/10 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é a principal norma para produtos biológicos. Mesmo antiga, considerando que 14 anos em termos científicos representam muito tempo, ela se sustentou bem em todo esse intervalo, o que se deve ao seu caráter abrangente.

“A Resolução 55/10 não especifica e não engessa muito as questões de qualidade, segurança e eficácia, mas sabemos que é possível, e é necessário, melhorá-la em vários aspectos, tanto que a Anvisa iniciou um projeto de revisar particularmente a questão de biossimilares”, fala o diretor de Assuntos Regulatórios, Qualidade e Ensaios Clínicos da Fundação Butantan, ex-diretor da Anvisa, e professor do CDPI Pharma, Gustavo Mendes.

Em 27 de setembro, a Anvisa aprovou a atualização da política para medicamentos biossimilares. O objetivo da mudança é acelerar o processo de análise da classe de remédios e tornar as regras mais flexíveis. O órgão justifica que a mudança é necessária já que a RDC 55/10 é antiga e precisa de adaptações com base nas mudanças ocorridas durante os anos.

Mendes lembra que biossimilares não são genéricos e nem produtos novos, por isso a via da comparabilidade precisa ser rediscutida. “É isso que está na perspectiva para biológicos. Vejo que está acontecendo esse movimento. Minha tendência é termos revisões pontuais buscando abarcar o que é o estado da arte, o melhor conhecimento da regulação. Acho que há muita oportunidade ainda para evoluirmos nesse aspecto, no entanto, não estamos engessados. Em vez de problemas, temos oportunidades”, ressalta.

A RDC 55/10 define que, para a aprovação de um biossimilar, devem ser apresentados, dentre outros requisitos, estudos comparativos entre o biossimilar e o produto biológico comparador, contendo informações suficientes para predizer se as diferenças detectadas nos atributos de qualidade entre os produtos resultam em impactos adversos na segurança e eficácia do biossimilar.

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Para o diretor-executivo e fundador da Íntegra Consultoria Farmacêutica e professor do CDPI Pharma, Alexandre Buchalla, quando se fala em produtos biológicos, é difícil chegar a um estado da arte, até porque o tema, por si só, é volátil, sendo assim, prever todas as possibilidades dentro de uma legislação é algo impossível – o que justifica o fato de essa legislação ter que ser flexível.

Segundo Buchalla, a legislação deve servir como um guia geral. Embora haja várias áreas que podem ser aprimoradas na RDC 55/10, até o momento ela não se mostrou restritiva, proporcionando espaço para novos avanços e para a expansão do setor de biológicos no Brasil.

Os avanços em terapia avançada representam uma significativa inovação no campo dos biológicos e biossimilares, abrangendo áreas como terapia gênica e celular. Durante a pandemia, foram desenvolvidas novas plataformas que rapidamente chegaram ao mercado, evidenciando a rápida evolução da biotecnologia global.

O Brasil, por meio da Anvisa, tem acompanhado esse progresso com grande interesse e agilidade. O desafio das terapias avançadas surge no âmbito da engenharia genética, mas também enfrenta obstáculos logísticos significativos devido à natureza quase individualizada do tratamento.

Segundo o vice-presidente executivo da Bionovis e professor do CDPI Pharma, Thiago Mares, esse processo envolve a coleta de tecido ou células do próprio paciente, seu processamento em laboratório e sua reintrodução no corpo dentro de um prazo crucial, mantendo as células viáveis.

Por outro lado, a produção de uma proteína terapêutica monoclonal, por exemplo, apresenta uma complexidade ainda maior, com várias etapas e altos investimentos, mas oferece a possibilidade de beneficiar e tratar milhares ou até milhões de pacientes com o mesmo medicamento.

“Se olharmos para uma proteína terapêutica, um anticorpo monoclonal, por exemplo, a complexidade dessa molécula é muito superior a uma sintética, a um medicamento sintético comumente encontrado nas prateleiras das farmácias, em temperatura ambiente. Essa complexidade molecular em si é o grande desafio do medicamento biológico”, afirma Mares.

Controle de qualidade

Medicamentos biológicos, derivados de organismos vivos, apresentam uma complexidade estrutural e variabilidade intrínseca, demandando abordagens analíticas específicas para a sua caracterização e ensaios de potência mais elaborados. Desafios como heterogeneidade estrutural, degradação proteica e possíveis contaminações biológicas são comuns nesse cenário.

Por outro lado, os medicamentos sintéticos possuem uma estrutura molecular bem definida e processos de produção mais controlados. No entanto, é importante monitorar impurezas químicas e garantir a estabilidade ao longo do tempo, sendo questões críticas para sua qualidade. Nesse contexto, métodos analíticos convencionais são frequentemente utilizados para o controle de qualidade desses medicamentos.

Ambos os tipos de produtos exigem rigorosos processos de controle de qualidade para assegurar sua segurança, eficácia e consistência. No entanto, cada um enfrenta desafios únicos devido às suas diferenças estruturais e processos de fabricação distintos.

“Vejo com muita satisfação esse interesse por biológicos, que é uma área fascinante. O Brasil tem um histórico muito grande e muito importante em sintéticos. Que continue com esse histórico, mas que tenha a chance de mais profissionais voltados à área de biológicos, que são necessários. Por vezes eu vejo que, por sintéticos ser mais humano, ser mais a realidade, ser mais difundido, tem sempre a necessidade de tentar fazer essa comparação. Mas, eles são tão distintos e tão distantes. É complicado você tentar colocá-los de uma maneira que você possa fazer a medição correta. Logo, depende muito de qual tipo de biológico se fala e qual tipo de sintético se avalia”, fala o diretor de P&D na Hypera e professor do CDPI Pharma, Marcos Alegria.

“Os medicamentos biológicos representam uma tendência que veio para ficar em questão terapêutica e efetividade, principalmente por se ter um produto capaz de diminuir efeitos adversos e propiciando melhorias de tratamentos. É preciso que a indústria e o paciente-consumidor se adaptem a essa nova realidade, e, para isso, é necessário conhecimento e experiência para que o Brasil acompanhe os avanços e não seja dependente de insumos e medicamentos do exterior”, afirma Casonato.

Pós-Graduação

O CDPI Pharma desenvolveu uma inédita e completa Pós-Graduação em Produtos Biológicos e Biossimilares, com o objetivo de capacitar e formar profissionais para uma visão sistêmica e habilitá-los para atuar na indústria farmacêutica.

O curso fornecerá um ensino aprofundado dos princípios fundamentais da biotecnologia e sua aplicação na indústria farmacêutica, formando profissionais qualificados para desempenhar funções relacionadas ao desenvolvimento de futuros medicamentos, processos produtivos e análises, abordando como as agências reguladoras se adaptaram para lidar com essa demanda e como o setor público e privado se organizaram para viabilizar e adotar essas tecnologias.

Faz parte do programa ainda o fortalecimento da capacidade de produção, parcerias internacionais, colaborações público-privadas, tecnologias analíticas, vias regulatórias e as últimas tendências regulatórias e tecnológicas relacionadas a produtos biológicos.

A Pós-Graduação em Produtos Biológicos e Biossimilares inicia no dia 10 de agosto. Mais informações e inscrições AQUI.

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