Entenda o ciclo de vida dos produtos
Por Egle Leonardi e Júlio Matos
Os produtos desenvolvidos pela indústria farmacêutica já nascem com data prevista para ser retirados do mercado. É o que se denomina de obsolescência planejada ou, simplesmente, a trajetória completa, o ciclo de vida do produto. Além dessa trajetória também acontece uma dentro das empresas farmacêuticas, junto da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a produção, regulamentação e aprovação do produto para que seja vendido no mercado.
Em uma master class gratuita e aberta ao público interessado no tema, o professor do CDPI Pharma – Centro de Desenvolvimento Profissional Industrial, diretor de Assuntos regulatórios, Qualidade e Ensaios Técnicos no Instituto Butantan e ex-gerente geral de Medicamentos da Anvisa, Gustavo Mendes, abordou assuntos relacionados ao ciclo de vida de produtos voltando para a relação entre a indústria farmacêutica e Anvisa, para a liberação do medicamento a ser comercializado.
A cada dia a indústria tem investido, cada vez mais, em tecnologia, em novas formas farmacêuticas e novos maneiras de liberar os produtos. Porém, uma das maiores preocupações é a formulação final e a apresentação do produto, pelas novas perspectivas, isso acabou alterando o registro dos produtos, que já foi muito engessado e classificado.
“Quando se pensa numa nova formulação, sempre se pergunta: ‘Eu estou comparando com alguém que já existe ou é algo totalmente novo?’ Se estamos nos comparando com alguém que já existe e promove maior exposição, o foco é segurança. Se eu promovo menor exposição, o foco é a eficácia, eu preciso saber se a formulação continua funcionando”, explicou Mendes.
Mas, quais seriam essas perspectivas? Atualmente, diversas exigências estão relacionadas ao método analítico. “Antigamente, na época do paleolítico, copiava-se a farmacopeia. Agora, sabe-se das limitações das farmacopéias, principalmente, da brasileira, das farmacopeias como um todo, já que estamos estudando sobre inovações”, relembra.
Para desenvolver um método interno, é preciso cumprir com uma série de requisitos presentes na RDC 166/17, que aborda os critérios de validação de métodos analíticos. Mas a RDC 166/17 ainda está em processo de harmonização, mas ainda não está totalmente organizada com os requisitos do Conselho Internacional sobre Harmonização de Requisitos Técnicos em Produtos Farmacêuticos para Uso Humano (ICH, do inglês, International Conference on Harmonisation of Technical Requirements for Registration of Pharmaceuticals for Human Use).
Atualmente, a grande diferença dessa normativa e o grande desafio para as empresas é mostrar que o mesmo desenvolvimento foi feito com uma lógica diferente, em outra região, e para isso será necessário apresentar os elementos mínimos dos critérios de validação dos métodos analíticos.
Ensaios qualitativos
Depois de a indústria farmacêutica passar pelos critérios dos métodos analíticos, ficaram diversas dúvidas sobre os ensaios qualitativos que acontecerem para que o produto possa ser registrado e aprovado pela Anvisa. Se não der para caracterizar e considerar o fato de que produtos biotecnológicos não são apenas avaliados de forma físico-química, também há uma preocupação em relação a sua estrutura. Muitas vezes, são necessários bioensaios, não apenas ensaios físico-químicos para definir o controle de qualidade. Isso acaba se tornando uma exigência.
“Então, qualitativamente, quais ensaios são desenvolvidos e precificações definidas? Cada vez mais, as precificações devem ser clinicamente relevantes, porque ao colocar uma precificação de potência, de teor, de 80 a 120, como saber que um lote foi liberado com 80 realmente e mantém a sua performance in vitro? Essa relação precisa ser racional cada vez mais, principalmente, se estamos desenvolvendo um método in locu“, comentou Mendes.
Já para a eficácia e segurança dos produtos, a fase dos estudos não clínicos é um ponto crítico na avaliação para o registro. O desenvolvimento não clínico, quando o produto requer, caracteriza adequadamente todos os ensaios de toxicidade e de segurança não clínica necessários.
“O guia da Anvisa é de 2013, já antigo, tem dez anos. É um guia que não está totalmente ultrapassado, mas não incorpora as novas perspectivas de os estudos não clínicos seguirem a lógica do 3R (Replacement Refinement and Reduction). A lógica do 3R é pensar nos estudos não clínicos por métodos que usem cada vez menos animais, possibilitando chegar a resultados que não exponham tanto os animais às pesquisas?”, indagou o professor Mendes.
Existem diversos métodos alternativos, e cada vez mais surgem novos, para avaliar a toxicidade e o guia da Coordenação de Pesquisa Clínica em Medicamentos e Produtos Biológicos (COPEC), o que não necessariamente inclui tais métodos, porém ainda a referência para o desenvolvimento não clínico é o ICH.
Estudos clínicos
Se há um estudo clínico que está sendo realizado no Brasil, a Anvisa está acompanhando todo o processo e discussões. Já quando a pesquisa e desenvolvimento são feitos em outro país, e chegam ao Brasil, eles precisam ser analisados com relação a algumas questões que possam ter um impacto na avaliação de eficácia ou de segurança.
“Alguns estudos, acompanhamentos e informações podem ser apresentados, posteriormente, mas, na lógica da doença rara, isso é muito claro: quando pensamos numa situação em que o país tem, por exemplo, 25 indivíduos portadores da doença, como fazer um estudo de fase III, que requer milhares de pessoas? Isso não é possível”, acrescentou Mendes.
Importância das bulas
Nas bulas dos produtos farmacêuticos há um ponto importante para a indústria brasileira, já que as regras nacionais são específicas, próprias para a nossa população.
“É esperado que a bula seja um documento que reflita, realmente, os estudos. Então, é comum ver exigências das quais a bula não está refletindo dados fidedignos de segurança ou mesmo dados de eficácia, da forma como eles realmente foram apresentados. Por isso, esse é um ponto de exigência, crítico, nessa avaliação”, explicou Mendes.
Atualmente, existe não só uma normativa alinhada com os requisitos internacionais, mas também o reconhecimento da agência reguladora, que permite trocar informações com outras agências sobre sistema de qualidade, processo produtivo, controle de mudança e avaliação do risco e, ainda, evita trabalhos desnecessários. Esse é o ponto mais inovador das boas práticas, a incorporação da avaliação de risco, no conceito de produção e de avaliação constante da qualidade do produto.
Quando a Anvisa aprova um produto e sai o seu registro, entra em cena o pós-registro, que existe para que o produto que vai para o mercado esteja adequado às condições de ser produzido. As resoluções pós-registro existem para que os produtos estejam atualizados frente às inovações tecnológicas.
“As resoluções de pós-registro avançaram muito. Atualmente, as mudanças tipificam um número maior, trazendo mais segurança regulatória. No Brasil, há uma cultura de ‘se não está escrito, então eu não posso fazer’. É esperado por quem trabalha nessa área que a Anvisa tipifique mais as mudanças, deixando claro que elas existem para que os profissionais saibam exatamente como tratar”, finalizou o professor Mendes.
O CDPI PHARMA é uma instituição de Pós-graduação e capacitação que oferece treinamentos especializados e consultorias técnicas/científicas para profissionais e empresas do mercado industrial farmacêutico, sendo a empresa líder nesse segmento. Conheça mais sobre dois programas de pós-graduação da empresa: P&D Farmacotécnico e Produção de Medicamentos e a Assuntos Regulatórios.
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