Produção de medicamentos no brasil é prejudicada com bloqueio de exportações da índia

POR EGLE LEONARDI E JÚLIO MATOS
A indústria farmacêutica brasileira tem enfrentado dificuldades em meio à pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Segundo documentos do Governo federal, a Índia travou a remessa para o Brasil de 31 toneladas de 23 tipos diferentes de insumos necessários para a produção de medicamentos nacionais.
 
Na lista há desde produtos comuns, como o anti-inflamatório nimesulide e o paracetamol, usados contra febre e dor de cabeça, até o sulfato de hidroxicloroquina e a azitromicina, ambos atualmente sendo testados para o coronavírus.
 
No caso da importação de medicamentos como a cloroquina e a hidroxicloroquina, não há, até o momento, uma eficácia comprovada no uso desses itens, originalmente usados para outras doenças, como malária, lúpus e artrite reumatoide. Eles ainda estão em fases de testes para pacientes em estado grave de Covid-19. A dificuldade na importação, porém, significa que, caso a eficácia desses medicamentos seja comprovada, pode haver um gargalo para aumentar a produção nacional.
 
 
A cloroquina não consta nessa lista dos medicamentos travados, mas laboratórios nacionais, consultados pelo O Globo, confirmam que também há dificuldades para a obtenção desse insumo.
 
Diante desse cenário, o Governo foi acionado para tentar desbloquear entraves com os principais fornecedores, a Índia e a China. O principal empecilho envolve a Índia, que restringiu a exportação de pelo menos 26 insumos farmacêuticos e também reduziu sua produção industrial devido às restrições na circulação de pessoas para tentar conter o vírus.
 
Na última quarta-feira (1º/4), o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, anunciou, em entrevista, que, após negociações, a Índia autorizou a remessa de seis toneladas de hidroxicloroquina para o Brasil, para abastecer esse aumento da demanda devido ao coronavírus. Na terça (31/3), o Ministério da Economia enviou um ofício para o governo da Índia relatando essas dificuldades e pedindo ajuda em favor do envio de 23 diferentes tipos de produtos farmacêuticos. Junto ao ofício, o ministério enviou uma lista dos insumos travados e da quantidade de cada um deles.
Os laboratórios farmacêuticos nacionais têm buscado diversificar seus fornecedores de cloroquina e hidroxicloroquina, ao mesmo tempo que tentam manter a produção dos demais produtos farmacêuticos.
 
O Instituto de Tecnologia em Fármacos da Fiocruz (Farmanguinhos/Fiocruz) importava da Índia o insumo para produzir cloroquina e agora busca alguma fabricante chinesa para fornecer a matéria-prima. O diretor de Farmanguinhos, Jorge Souza Mendonça, afirmou, ao O Globo, que não há risco de desabastecimento neste momento porque a instituição possui ainda material suficiente para produzir quatro milhões de unidades de cloroquina, além de ter entregue, recentemente, ao Ministério da Saúde uma produção de três milhões de unidades de cloroquina, destinada ao combate à malária.
 
“Todo mundo vai ter agora uma enorme dificuldade, porque as indústrias (indianas) em sua maioria pararam e enfrentamos ainda uma dificuldade de voos (para o transporte do material). A cloroquina vinha da Índia. Estamos tentando descobrir algum produtor chinês que possa produzir e enviar para nós”, disse Mendonça.
 
Liderança
 
De acordo com a Fundação Indiana de Brand Equity, organização do Ministério do Comércio do país, a Índia é hoje a maior exportadora de genéricos do mundo, englobando remédios, insumos, produtos intermediários etc. Só em 2019, Délhi exportou US$ 19 bilhões (R$ 100,37 bilhões) em drogas deste tipo, cerca de 20% de todo o volume mundial, para mais de 200 nações. O país, sozinho, é responsável por suprir 24% da demanda por genéricos nos Estados Unidos. No Reino Unido, medicamentos indianos correspondem a 25% do total, genéricos ou não.
 
A Índia importa cerca de 70% de seus ingredientes farmacêuticos ativos da China, onde o custo de produção dos materiais é mais baixo. As medidas de isolamento adotadas pelo governo chinês para conter a pandemia, no entanto, atrapalharam a produção dos insumos essenciais para a fabricação de remédios básicos e variados, tais quais antibióticos, antitérmicos, hormônios e vitaminas. Mesmo com a retomada gradual das atividades no país, o cenário ainda não se normalizou, com restrições a voos e quarentenas obrigatórias para quem vem do exterior, por exemplo, acendendo um sinal amarelo.
 
Os efeitos mais diretos disso foram vistos em 03/03, quando Délhi ordenou que a indústria farmacêutica do país cessasse a exportação de mais de 25 medicamentos e insumos, a menos que houvesse permissão explícita do governo.
 
O Brasil foi um dos países afetados pela medida, uma tentativa de garantir que haverá drogas suficientes para responder aos efeitos da pandemia no País, onde a infraestrutura de saúde é, no geral, bastante precária. Segundo o governo indiano, até o momento, o país vem conseguindo evitar uma escassez doméstica de remédios.
 
Diversas das principais indústrias químicas indianas também foram obrigadas a cessar ou reduzir suas capacidades de produção frente à quarentena. Isto porque, segundo a imprensa local, químicos não são categorizados como ‘commodities essenciais’ na proibição emitida pelo governo indiano. Vários deles são matérias-primas essenciais para a produção de remédios, sabão, detergentes. Não está claro se isso afetará a exportação de medicamentos ou insumos.
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